passeio dentro de ti

nesta cidade, muito guarda-segredos e cantinhos rarefeitos. inacessíveis. na pele colada de balões e bailarinas..

não apagues a luz..

quero acordar nos dias pequenos
com a claridade das manhãs
a saber a sal.


..

e a linhos suados de pele quente.

...

introspectus

"como representar algo que não se consegue ver,
mas apenas sentir.

rita rocha

algo que até por (palavras) poderá ser difícil descrever.

como o corpo humano reage a sentimentos.

dar-lhe uma imagem.

entrar em locais onde não se deveria estar."


*rita rocha....

as coisas têm a importância que têm

...

rita lino

..

e "isto" também se aplica às pessoas.

..

esta percepção tão clara dói muito.

..

[voltou calada]

a palavra é a matéria do inabitável.
..
[perdera-se noite inteira na floresta
e alguma coisa lhe pôs o medo nos olhos.]


littlegirlblue

..
[tenho medo de estar aqui. tenho medo de estar aqui.
disse passado dias, quando já esperávamos que morresse
num mistério triste.]
..
quando a voz adquire arestas, fere a língua.
violenta suspensão que se situa na iminência do incriado.
numa nudez que rasga a palavra e silencia o medo.

..
[na minha casa, a janela aberta para o sol,
o meu corpo tremendo, desejando abraçá-la.
tão perdido.]
..

aqui, onde se engendra o desequilíbrio,
o sentido despoja-se do conteúdo.
para ser a conquista do sussurro.

..
[como se a floresta cobrisse as coisas
com espantosa rapidez.]

..
o vento soprado como sangue
joão moita
..
[valter hugo mãe]
..
pontinhos. muitos*

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casas feitas de pele-memória que existem fora do tempo

casas-corpo-árvore, pés mergulhados na terra e cabeça a tocar o céu.
casas com os medos da escuridão e o secreto desejo da viagem.
casas com ninhos prestes a voar.
casas que integram o vento e a chuva e acolhem um sonho de mar.
casas-ilha, casas flutuantes, casas de eternidade.
casas com as paisagens da imensidão.

katia chausheva

..

ao longo da vida vamos construindo um sótão-abrigo onde guardamos os nossos sonhos-lembrança fundamentais. as vivências, as imagens que fomos retendo para podermos voltar sempre que desejamos. velhos, visitamos estes sótãos com raízes numa infância longínqua e fazemos soar livres os fios da memória. baralhamos a curva do tempo. caminhamos em direcção aos inícios, vamos para o lugar onde se encontra a morada dos nossos devaneios.
...
mansarda
teatro circolando
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foi tanto assim ontem..e custou muito sentir as luzes apagarem devagarinho

como que a dizerem: pronto, vamos para casa agora. das que têm ninhos prestes a voar.

aquele sótão ensarilhou imensidões.

..

..
hoje acordei a
querer explodir muitas verdades


ainda bem que o organismo tem
mecanismos involuntários de compensação
de uma lucidez cirúrgica


..

diluo nas mãos o ocre seco

..... de dedos afastados, deixo cair gotas pelo vestido.
e demoro-me a ver por onde se perdem.
no precipício da bainha, param.


.................................................... e invariavelmente caem.
..
não sei se por vontade, se por incapacidade de retorno.
mas acredito que lhes pesem as decisões de um caminho.

..

olivia bee
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hoje apeteceu-me guardá-las. parar infinitos.
juntei-as num frasco
e dei-lhes um céu.
e embora este azul
acabe “numa superfície de vidro, que não se consegue tocar”,
é o meu mar.
na bainha do vestido guardo o mar.
..

ato os fios d’ocre às pernas e
deixo-me flutuar no chão de ervas secas,
com o som das gaivotas nos olhos.
..
nas folhas de papel, é sempre tudo tão completo..

..

in the morning it hurts like

....


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...

deixo-te despires-me com dedos de outono

enquanto recolho framboesas no colo e
caminho de pés nus
nos borrões de tinta seca que

estalam no chão.

katia chausheva

..

o outono tem sempre um sabor a

bolachas de manteiga, guardadas em

latas de chapa de muitas histórias..

..
..
trouxeste a manta?

deixa-me pousar em ti. pele na pele.

..

há palavras de olhar, palavras na pele, palavras-silêncio

e há espaços vazios. onde cabem as formas mais difíceis
de dizer partilha. muito de palavras escritas.
povoadas de espelhos e imagens de um mesmo corpo.



littlegirlblue

..

há também as palavras-tempo.

quando os espelhos se habitam de um toque que persiste desfocado

porque a luz dos corpos não tem a mesma intensidade.

e repousa a distâncias diferentes.


....

Se os filhos não saíssem nunca do corpo das suas mães

juro que teria um agora mesmo.
para senti-lo crescer dentro de mim.
até me possuir como numa sessão espírita. ou como se o meu bebé e eu
fossemos bonecas russas.
uma cheia da outra. mamã cheia de bebé

eleanor hardwick

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é, (miriam).

também teria um filho
se ele fosse sempre bebé
se pudesse sustê-lo em meus braços acima da realidade
para que o meu menino nunca pusesse os pés na terra.
..
mas eles chegam a ser tão velhos como qualquer um.
por isso sangro e tenho cólicas e aperto este ventre vazio e

engulo comprimidos até adormecer e esquecer
que me esvaio na minha negação.

espelho negro_miriam reyes

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baltazar é um daqueles meninos que “não chora com os olhos”

dos muitos meninos que se demoram nos passeios a imprimir dedadas nas paredes à medida que sonham. diz-me que tem medos. que não se dá. e enquanto diz isto espanca vontades de circunstância, de cada vez que exprime uma nitidez inabalável no rosto. talvez por isso seja um solitário. de uma solidão cheia. sente que nunca sente o que sonha. e sonha com um 'para sempre', mesmo que esse 'lá' nunca chegue. por vezes cansa-se dos passeios sozinho. ou da falta de reflexos nos olhos, o que não é necessariamente a mesma coisa. mas é assim baltazar, o menino que vive num dia que não tem a duração dos dias dos outros meninos, porque se perde a contar estrelas na noite. "dizem que é mudo, mas não surdo. um escândalo de silêncio". gostava tanto de lhe poder dizer que os pequenos castelos se contróem de infinitos. e que é preciso molhar os pés de mar para que eles permaneçam indestrutíveis. mesmo que os seus propósitos vão com as primeiras marés.
...


...

vou fazer um jardim nos braços

..

eleanor hardwick

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para crescerem borboletas na ponta dos dedos..


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não se aprende grande coisa com a idade

"talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos."
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chrissie white


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[é tão delicioso este demorar no]
"escutar a gota de água na torneira

mal fechada."

................

...............................................................

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*sal da língua
eugénio de andrade
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(coisas) que nos fazem tocar de uma forma inexplicável os pontos de fuga
dos imensos trilhos que deixámos na areia molhada.

eleanor hardwick



como dedos de uma mão sem idade. que apontam para a moldura na parede.
é a minha estrela, vês?
nos rebocos a cal durante a noite, desenhei certezas. daquelas em que se acredita plenamente

que se possa ser feliz para toda a vida.
..

...

continuo a ver arco-íris nas gavetas

explicavas-me que devia mexer a massa sempre para o mesmo lado. segredos da tua mãe que passaram da tua avó, que vieram de um tempo que se perdeu no tempo. e eu acenava que sim, muito em silêncio como se prometesse guardar aquele segredo num cantinho bem guardado. ficava a ver-te escolher os grãos de arroz, um a um, sem deixares passar nenhuma pedrinha. na altura, admito que me fazia confusão. havia tanta luz lá fora. agora, sei que te passava a vida naquele prato. e contavas tantas histórias quantos os grãos daquele arrastar lento dos dedos. só agora é que percebo. e lamento tanto não ter interrompido o tempo. sei que desculpavas os meus porquês. desculpavas sempre tudo. [ainda tenho o que me deixaste e continuo a fazer a melhor massa do mundo. mas acho que sabes..] e ouço ainda os teus poemas, que me silenciavam com o respeito das entoações que têm todas as coisas importantes. depois, num segundo, vestias palavras meigas que protegem fragilidades. e sentia-me segura e inabalável. a acreditar que os arco-íris nasciam dentro das gavetas. ainda hoje tenho um fascínio quase de criança por todos aqueles chás e compotas que servem para tudo e mais alguma coisa. perco-me um bocadinho. às tantas baralho tudo. mas gosto de os ver, só. e dizer a todas as pessoas que os fazias para mim. a palavra ‘menina’ ecoa nos olhos. dizias como ninguém. e sinto tanto a tua falta..
...
...

explicam-lhes que a vida é transparente

...

eleanor hardwick

e que o passado, fechado em armários que rangem durante a noite
brilha às vezes, como as pratas de chocolates que
entregam nas mãos das crianças
..
cal
josé luis peixoto
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a idade não conta

"-.. o que conta são os sentimentos das pessoas.
-tenho mais idade do que sentimentos,
é a minha maneira de ser idoso."
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detesto acordar de botas ortopédicas

nesses dias, mentimos. mentimos muito.
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e acreditamos que os ‘porque sim's’ são meios pontos que gerem vazios.
porque, nos naufrágios nunca se morre de amor. morre-se de verdade.
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há uma palavra mágica que se diz

essa palavra é sempre diferente.
pode ser um olhar.
a voz.
um olhar.
o espaço de silêncio
onde não se disse
uma palavra.
há uma palavra mágica que se diz.
há um momento.
depois dessa palavra, só depois dessa palavra,
pode começar o amor.

a casa, a escuridão
josé luis peixoto
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