passeio dentro de ti

nesta cidade, muito guarda-segredos e cantinhos rarefeitos. inacessíveis. na pele colada de balões e bailarinas..

continuo a ver arco-íris nas gavetas

explicavas-me que devia mexer a massa sempre para o mesmo lado. segredos da tua mãe que passaram da tua avó, que vieram de um tempo que se perdeu no tempo. e eu acenava que sim, muito em silêncio como se prometesse guardar aquele segredo num cantinho bem guardado. ficava a ver-te escolher os grãos de arroz, um a um, sem deixares passar nenhuma pedrinha. na altura, admito que me fazia confusão. havia tanta luz lá fora. agora, sei que te passava a vida naquele prato. e contavas tantas histórias quantos os grãos daquele arrastar lento dos dedos. só agora é que percebo. e lamento tanto não ter interrompido o tempo. sei que desculpavas os meus porquês. desculpavas sempre tudo. [ainda tenho o que me deixaste e continuo a fazer a melhor massa do mundo. mas acho que sabes..] e ouço ainda os teus poemas, que me silenciavam com o respeito das entoações que têm todas as coisas importantes. depois, num segundo, vestias palavras meigas que protegem fragilidades. e sentia-me segura e inabalável. a acreditar que os arco-íris nasciam dentro das gavetas. ainda hoje tenho um fascínio quase de criança por todos aqueles chás e compotas que servem para tudo e mais alguma coisa. perco-me um bocadinho. às tantas baralho tudo. mas gosto de os ver, só. e dizer a todas as pessoas que os fazias para mim. a palavra ‘menina’ ecoa nos olhos. dizias como ninguém. e sinto tanto a tua falta..
...
...