passeio dentro de ti

nesta cidade, muito guarda-segredos e cantinhos rarefeitos. inacessíveis. na pele colada de balões e bailarinas..
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strangeluv
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os relógios na parede marcam a diferença horária das cidades do mundo. de pessoa em pessoa também há uma diferença horária, quase imperceptível. impossível de medir. foi o tempo que parou nestes lugares ou são os lugares que pertencem ao passado? talvez não sejam os lugares, mas os nomes o que habitamos. e as cidades só existam nas lendas e nos mapas imaginários e íntimos. há mil e uma coisas a acontecer numa estação. espaço de partidas e chegadas de lugares distantes, de indefinida ansiedade e suspensão. como uma pausa nos lugares do mundo.
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[nuno artur silva_as passagens do tempo (adapt.)]
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mantinha um fascínio indeciso
uma impressão capaz de proteger
tanto a ordem como a rebeldia
sozinha perante pedidos
agitações escombros
desligada há muito de motivos
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[baldios_josé tolentino de mendonça]

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hoje, as ruas diluíram-se pelas pontinhas da manga. não há cidade em que a chuva fique mais bonita, dizes. e eu sorrio, como que a dizer que sim, que é a minha e que há dias em que se veste de silêncio. parei a ouvir o piano pela porta que se entreabria do majestic e deixei-me ficar, a olhar para o chão, enquanto se acumulavam espelhos de agua em volta dos pés. pensei se não seríam jogos de imagem do teu olhar, quase aqui.
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embrasse moi
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there's a world outside of me. and i just take it in
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diz-se que as luzes que vemos cintilar no céu são fantasmas de planetas e estrelas. vagabundos de tempos remotos. talvez por isso seja tão absoluto o céu nocturno. 6:20 da manhã. gosto de ver a luz acesa nas outras casas. uma janela pequena que diria igual à minha, alinhada com outras janelas semelhantes. 9ºdto. se me debruçar o suficiente sobre o parapeito, vejo um pequeno triângulo com anos-luz de profundidade e de desconhecido..uma luz fantasmagórica que se projecta até a cidade se apagar em pequenos pontos que parecem multiplicar-se, à medida que os olhos se habituam à escuridão. claustrofóbica a imensidão devastadora que se impõe a qualquer pensamento. distracção.
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[alberto lóio_9ºdto (adapt.)]
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blindfolds on my feet
and whispers in my ear
take away this ever-growing fear
hollow bone, headlight eyes and wingspan wide
you and I
perfectly preserved from another time
turn off the life support
and I’ll breath on my own
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a cage went in search of a bird
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o sítio onde te dás só podia ser assim. de sentido proibido. sem retorno capaz. à tua porta, um tracejado amarelo. estaciono temporariamente levado pela tentativa de uma lógica qualquer. subo lanços de escada dois a dois. ‘mais devagar’, dizes, ‘temos um tempo diferente.’ só podia ser assim o teu sítio. de último piso. onde termino sempre  num mar de gaivotas no teu peito. a dormirmos, elas e eu, até à luz da manhã.
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how much love can a boy contain in here? how many contradictions can a girl possess up there? it's easy to forget where you came from if there's no question of your return. i really shouldn't say it, but i just love what the water does.
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unrecognisable spirit
dislocated
its fate belongs to another time
ghosts of a once pagan place
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it’s simple
you don’t exist
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está na berma do passeio, em frente a uma passadeira, e o sinal pôs-se verde para os peões. dentro dos carros parados no semáforo as pessoas olham para ela. de repente abre os olhos, vestido de corpo inteiro. “maria, não achas que é já altura de te deixares dessas brincadeiras e comprometeres-te com alguém a sério..como toda a gente?” do lado de fora da montra, vários sapatos sobrepostos, vozes misturadas com música clássica, calma. senta-se num banco de jardim colocado no meio do largo corredor do centro comercial. ao seu lado, um aviso vermelho, “por motivo de obras, tudo a menos 50%”. um rapaz de camisa às riscas pára em frente a uma vitrine só com televisores e olha na direcção de maria. recomeça a andar. acende-se um palhaço nos ecrãs, um palhaço que é vários, quatro vezes quatro, dezasseis palhaços. "não seria estranho se alguém se suicidasse na loja de electrodomésticos". os televisores desligam. maria entra na loja de pronto-a-vestir. “queria ver coisas alegres, se faz favor”. “há para todos os gostos mas eu diria mesmo que mais do que isso, talvez mesmo a felicidade. sim, penso que não será excessivo afirmar que a felicidade é o tema-base, o assunto-chave, a pedra angular da moda da estação.” o rapaz, sentado no banco de jardim, tira uma coisa do bolso das calças. um pequeno frasco de comprimidos. fica uns instantes parado. despeja-os na mão. um miúdo de óculos, com um balão atado ao pulso, olha-o intensamente. quando desaparece atrás dos pais, o rapaz põe o frasco vazio no bolso. entra na loja de electrodomésticos. “senhoras e senhores..”, as cortinas são puxadas para o lado. maria surge com um vestido azul. “aqui estou eu”. dá duas voltas sobre si própria, uma dentro do espelho e a outra fora. a saia a levantar-se como nos filmes musicais e diz “a alegria”. “pode mostrar-me como funciona este vídeo aqui?” “portanto, aqui neste botão, não sei se viu, é para o pôr a trabalhar. depois para gravar é nesta bolinha encarnada..não há que enganar.” uma velhota à varanda, uma mulher grávida, um homem de boné, um rés-do-chão em obras, maria na janela de um táxi. o motorista sobe o volume do rádio. sinal vermelho, trava.
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[jacinto lucas pires_azul turquesa (adapt.)]
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o que é que tu estás a fazer em mim?
estou a escrever-me em ti. amanhã,
vou para dentro de ti.
sabes onde fica?
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[pedro paixão_muito, meu amor (adpt.)]

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for i do believe
that everyone
has one chance
to fuck up their lives
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tens de. só que ela está presa por dentro e tu agarrado a ela por um nó de garganta e não sabes o que deves deitar fora, arrancar, vomitar para que ela te saia de dentro. compões dentro da cabeça uma mulher com um bocadinho disto e um bocadinho daquilo e esperas que bata certo. levas um bocado de tecido rasgado e queres encontrar o todo. os dois, encerrados em planas fotografias, sem remissão. numa mulher, há o amor inteiro a acontecer. como uma pancada na água. ou as ancas violentas, o cabelo frio. é tempo da seda entre os vinte dedos embrulhados e os arquitectos afirmam ser preciso edificar um lugar novo para duas pessoas que estão a pensar tanto há tanto tempo com os corpos. sais e entras pelas estações e os animais acompanham-te e eu digo que é o vinho, a metamorfose, despida, a avançar em desordem no ar. já reparaste na diferença de temperatura que há entre as diferentes partes da pele? as minhas mãos, sentes como estão agarradas a ti para não me deixarem cair? 
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[pedro paixão_porque se matam as saudades (adapt.); o beijo (adapt.); uma pancada na água (adapt.) in do mal o menos]

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sim, prometo que vou ser corajosa e andar pelas poças do passeio e engolir reflexos de sorrisos ou de mãos e entrar na loja mais bonita desta cidade, de tecidos vermelhos e plantas em relevo. pedir o café com aquela pronúncia só tua e dizer que está quase e que estamos sempre, sempre estivemos e fotografar teatros e ouvir sons nos jardins que cheiram a noite ou a partilha nossa. se é suficiente? acho que não mas disse-te que sim, num momento preciso, de mar nos olhos ou abraço em ti.
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ao dobrar de uma curva da estrada, encontro o fotógrafo. imóvel ao lado do tripé. espera que o vento misture de tal modo luz e sombra que a cor do céu possa entrar toda inteira no enquadramento da máquina. aproximo-me. procura nos bolsos nuvens muito brancas. ou azuis como os montes ao longe. não é bonito? voltamos a olhar, como quem abre a janela. é tão simples, isto: queremos a presença das coisas. próximas, íntimas, como peças de roupa pousadas na cadeira ao nosso lado. há em certos dias uma tão certa harmonia entre a temperatura do corpo e a do ar que quase se perde a noção de entre uma coisa e outra ser a pele uma fronteira.
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[rosa maria martelo_nuvens (adapt.); chaves (adapt.) in telhados de vidro nºII]
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running with insanity
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noite alta. e o planeta a esbarrar no meu nariz. em mim há um oceano, formado por milhões de corpúsculos de fecha-te-sésamo e esses milhões inundam-me enquanto fico ali deitada no meu umbigo. de barriga, quando o vendaval do sonho me dá a volta.
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[robert schindel_noite alta (adapt.) in telhados de vidro nºII]
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a boy with a broken hertz
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um riso, um sapato, o violino de estar aqui. dormíamos nas palavras mais novas e havia segundos que fazíamos explodir o tempo. e estrelas, que as crianças continuam a receber como maçãs ou papoilas. e de noite, serpenteiam, serpenteiam, com a distância nos cabelos.
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[robert schindel_requiem por uma amizade (adapt.) in telhados de vidro nº II]
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don't be a fool
you'll know we are equally damaged
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you'll learn to say when
signal if you can't say, 'no more'
when you can't breathe no more
don't cross your finger
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anachronic girl
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às vezes penso que vou encontrar-te na rua mais improvável.
que nos sentamos a trocar pedaços de coisas subitamente importantes. 
horas incandescentes.

[vasco gato_rusga]

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mess
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sexta-feira: sabemo-lo pelo número invulgar de bicicletas a esta hora da noite. pela intermitência das sirenes. tenho um caderno roxo, uma camisola, a sombra das tuas mãos. não é fácil decifrar os códigos de uma cidade. ao fim da tarde já se confundem os passos, os semáforos, a placidez dos lagos.  luzes, carrosséis e bares pedem demora. e os aviões chegam sobre os gatos. há coisas que não podem existir. quase tudo. versos intoleráveis. falávamos de nada, calmamente, antes do último comboio. do momento, exacto ou nem por isso, em que se torna possível colar cartazes nas paredes. não te oferecia cigarros porque não fumavas. (é sempre improvisado o golpe sob varandas de cetim pisado). perguntei-te se ainda lias. disseste que sim, um bocadinho: o tempo, a vida, o costume. apeteceu-me apanhar um eléctrico (vi passar pelo menos dois) e deixar-te ali, cheia de pombas à volta, com o lábio inferior mastigado pelo frio e uns jeans coçados com que nunca te vira. noites. demasiadas noites esfumadas no espelho de um bar qualquer. quarto 203 (lembras-te?)  deitávamo-nos a sorrir para as estrelas. a música dos sinos vinha deitar-se connosco. país de enganos. e quase gostavas disso, quase. um certo e procurado desencontro.  um amigo meu disse-me para nunca meter gaivotas num poema. vai. um táxi ensinar-te-á o caminho de casa - ou o contrário, pois só ali (anónima e desfocada)  eras finalmente tu. ou podias ser.

[manuel de freitas_a última porta (adapt.)]

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a fleeing bird scared for what it’s worth
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the angels are voyeurs watching us forever. our foolish fills them with delight. it intoxicates the tender pervert hidden amongst the stars while their semen flows across the sky and forms new milky ways. and somewhere in some galaxy they make a planet full of bigger sinners
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reluctantly 
repeatedly 
your eyes

the question
eternal

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