passeio dentro de ti

nesta cidade, muito guarda-segredos e cantinhos rarefeitos. inacessíveis. na pele colada de balões e bailarinas..
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está na berma do passeio, em frente a uma passadeira, e o sinal pôs-se verde para os peões. dentro dos carros parados no semáforo as pessoas olham para ela. de repente abre os olhos, vestido de corpo inteiro. “maria, não achas que é já altura de te deixares dessas brincadeiras e comprometeres-te com alguém a sério..como toda a gente?” do lado de fora da montra, vários sapatos sobrepostos, vozes misturadas com música clássica, calma. senta-se num banco de jardim colocado no meio do largo corredor do centro comercial. ao seu lado, um aviso vermelho, “por motivo de obras, tudo a menos 50%”. um rapaz de camisa às riscas pára em frente a uma vitrine só com televisores e olha na direcção de maria. recomeça a andar. acende-se um palhaço nos ecrãs, um palhaço que é vários, quatro vezes quatro, dezasseis palhaços. "não seria estranho se alguém se suicidasse na loja de electrodomésticos". os televisores desligam. maria entra na loja de pronto-a-vestir. “queria ver coisas alegres, se faz favor”. “há para todos os gostos mas eu diria mesmo que mais do que isso, talvez mesmo a felicidade. sim, penso que não será excessivo afirmar que a felicidade é o tema-base, o assunto-chave, a pedra angular da moda da estação.” o rapaz, sentado no banco de jardim, tira uma coisa do bolso das calças. um pequeno frasco de comprimidos. fica uns instantes parado. despeja-os na mão. um miúdo de óculos, com um balão atado ao pulso, olha-o intensamente. quando desaparece atrás dos pais, o rapaz põe o frasco vazio no bolso. entra na loja de electrodomésticos. “senhoras e senhores..”, as cortinas são puxadas para o lado. maria surge com um vestido azul. “aqui estou eu”. dá duas voltas sobre si própria, uma dentro do espelho e a outra fora. a saia a levantar-se como nos filmes musicais e diz “a alegria”. “pode mostrar-me como funciona este vídeo aqui?” “portanto, aqui neste botão, não sei se viu, é para o pôr a trabalhar. depois para gravar é nesta bolinha encarnada..não há que enganar.” uma velhota à varanda, uma mulher grávida, um homem de boné, um rés-do-chão em obras, maria na janela de um táxi. o motorista sobe o volume do rádio. sinal vermelho, trava.
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[jacinto lucas pires_azul turquesa (adapt.)]
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