passeio dentro de ti

nesta cidade, muito guarda-segredos e cantinhos rarefeitos. inacessíveis. na pele colada de balões e bailarinas..
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mess
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sexta-feira: sabemo-lo pelo número invulgar de bicicletas a esta hora da noite. pela intermitência das sirenes. tenho um caderno roxo, uma camisola, a sombra das tuas mãos. não é fácil decifrar os códigos de uma cidade. ao fim da tarde já se confundem os passos, os semáforos, a placidez dos lagos.  luzes, carrosséis e bares pedem demora. e os aviões chegam sobre os gatos. há coisas que não podem existir. quase tudo. versos intoleráveis. falávamos de nada, calmamente, antes do último comboio. do momento, exacto ou nem por isso, em que se torna possível colar cartazes nas paredes. não te oferecia cigarros porque não fumavas. (é sempre improvisado o golpe sob varandas de cetim pisado). perguntei-te se ainda lias. disseste que sim, um bocadinho: o tempo, a vida, o costume. apeteceu-me apanhar um eléctrico (vi passar pelo menos dois) e deixar-te ali, cheia de pombas à volta, com o lábio inferior mastigado pelo frio e uns jeans coçados com que nunca te vira. noites. demasiadas noites esfumadas no espelho de um bar qualquer. quarto 203 (lembras-te?)  deitávamo-nos a sorrir para as estrelas. a música dos sinos vinha deitar-se connosco. país de enganos. e quase gostavas disso, quase. um certo e procurado desencontro.  um amigo meu disse-me para nunca meter gaivotas num poema. vai. um táxi ensinar-te-á o caminho de casa - ou o contrário, pois só ali (anónima e desfocada)  eras finalmente tu. ou podias ser.

[manuel de freitas_a última porta (adapt.)]

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